quarta-feira, 7 de março de 2007

De toda a sua Modernidade


Ela é moderna. Trabalha desde a faculdade, mesmo sem precisar. Classe média, avós com dentaduras; mãe e pai, com curso superior. Quis trabalhar porque queria ter o seu dinheiro, ser um tanto independente. Coisa que ela nunca disse pra quem trabalhava com ela; é gente fina, nunca iria esbanjar na frente dos colegas que ralavam pra cobrir as necessidades básicas.

Ela é descolada. Consegue transitar entre os classudos, os cheios da grana, os desencanados, os quase-hippies da nova era de Jopplin, os metidinhos. Não dá tanta importância pra nenhum deles. Curte a vida, a música, a balada, a noite linda, a bebida que dá uma percepção de que tudo pode ser melhor.

Ela paga suas próprias contas. Se precisa, entra no cheque especial, faz empréstimo no caixa eletrônico do banco, mas resolve seus problemas. Mora sozinha, num bairro bacana, num lugarzinho só seu, justo para seu orçamento, que ela transformou num ninho delicioso, curtido de montão por seus amigos, que sabem haver lá sempre uma bebidinha, um acepipe, uma música, um papo divertido.

Ela não gosta de academia de ginástica. Não combina com ela aquele bando de bumbuns e pernas com pesos demais, aquelas cabeças com cabelos demais, aqueles braços hipertrofiados demais. Ela vai ao parque. Corre, caminha, ouve um som, lê um livro. E volta pra casa satisfeita, certa de que olhar pra umas árvores é bem mais interessante.

Ela come bem. Não é tão esguia quanto a revista Boa Forma acha que é bom. Mas não chega a se achar gorda, nem sofrer diante do espelho. É generosa nesse aspecto. Tem uma bela auto-estima; isso é certo. Consegue ver as marquinhas que começam a lhe aparecer no rosto, mas não chega a franzir mais a testa por isso, nem perde o sono ou o sorriso. Vive bem no invólucro que lhe cabe neste mundo. E há dias em que se acha bem bonita e nem lembra da celulite que insiste em grudar nos seus quadris.

Ela adora ler. Tem livros e mais livros pra devorar caso tenha de ficar de cama por uns dois anos. Diz que livros também são objetos de decoração, de arte. Pode não ler todos os que compra, mas compra de coração, com a intenção de um dia, uma tarde, começar e terminar tudo em um só fôlego.

Ela tem muitos amigos. Tem mesmo. Amigas bacanas, amigos especiais. Quando os encontra adora dar um belo abraço-quebra-ossos demorado. Escreve pra eles, espera respostas de e-mails. Procura lembrar de seus aniversários e fica cheia de si quando lembram do dela. Telefona pouco pra eles porque essa doença feminina faltou-lhe no pacote: ela detesta telefone. Nunca ouve bem nas ligações, não sabe se o outro está fazendo careta enquanto ela fala. Prefere outros meios de comunicação.

Ela é bem resolvida. Namora bastante. Curte os caras, sem encucações, fazendo o que bem entende, trocando emoções variadas. Pode fazer nada e pode fazer tudo no primeiro encontro, sem dar bola pras revistas femininas. Não tem o mínimo receio do famoso “ficar falada”, porque tem um enorme respeito por si mesma e não deve satisfações a ninguém.

E ela adora música, conserta suas bijuterias, troca lâmpadas e interruptores, entende um pouco de mecânica, faz um bordado ponto cruz até que caprichado, escolhe lindos presentes, cozinha um risoto delicioso, sabe comprar vinhos.

E ela está prontinha a esperar pelo príncipe encantado que lhe diga que está linda, que a leve pra jantar e segure sua mão e lhe faça ter arrepios só de pensar em tudo mais... E quer desesperadamente que ele ligue (pois é, bem ela, que odeia telefone...). E que ele a convide pra jantar com todas as segundas intenções que consiga imaginar. Que ele a faça ver estrelas antes, durante e depois. Que ele ligue no dia seguinte e no dia depois do seguinte e no outro também.


Ela espera por ele todos os dias. Espera por ele e não desiste. Insiste, persiste. Ela é decidida e sabe o que quer. E é romântica, como todas as moças da periferia que jantam, lavam a louça e vêem as novelas todas as noites.
...
E quando ela vai dormir, revira-se na cama, espera por ele (mais uma vez) e sente aquele soco no estômago. Ela é tão moderna...

Um comentário:

Eu não sei, você sabe? disse...

que delícia que é ler Lu Longo!

beijoioiô tá?